terça-feira, 4 de novembro de 2014

OS PARTIDOS POLITICOS NOS TEMPOS DE JESUS - Thiago Batista de Abreu



OS PARTIDOS POLITICOS NOS TEMPOS DE JESUS
Thiago Batista de Abreu
Thiago.flpbr@hotmail.com

Resumo
O presente artigo versa sobre a origem e características dos grupos judaicos do 1º século, e suas influências na sociedade da época. O autor demonstra que a origem de tais grupos se dá em um contexto de reação contra o misticismo e ameaça da existência do judaísmo e que ora tem motivações políticas, ora religiosas, ora filosóficas. Ainda, se por um lado a sinagoga é criada como instrumento de preservação do judaísmo, por outro é uma das responsáveis pela facilitação do surgimento dos diversos grupos judaicos. Dessa forma, as sinagogas eram utilizadas como plataforma nas quais os grupos propagavam suas opiniões ao discordarem dos dirigentes do Templo. Por último, o autor demonstra que os grupos judaicos do 1º século mudaram a essência da fé judaica, e por isso, se por um lado surgiram com o intuito de preservar a fé judaica, por outro lado foram exatamente os responsáveis por fazer com que a fé judaica original se tornasse diferente desse judaísmo. Por isso, modificaram aquilo que tanto desejavam preservar.
Palavras-chave: Judaísmo; 1º Século; Fariseus, Saduceus; Essênios; Herodianos; Zelotes; Qumran; Templo, Sinagoga.

Introdução
As hostilidades contra o cristianismo primitivo eram comuns, especialmente por parte da comunidade judaica do primeiro século. Inicialmente por parte dos fariseus, que eram um partido religioso, e dos saduceus, que eram um partido político-religioso. Dessa forma, fica claro a existência de grupos judaicos distintos, entre os quais se vê a representação tanto da opinião e posicionamento Escriturístico de seus integrantes bem como de suas ideologias filosófico-políticas.
Quando observamos o aspecto filosófico do judaísmo, encontramos três grupos, como fez Josefo – Fariseus, Saduceus e Essênios. Porém, quando observamos o aspecto étnico encontramos os herodianos que possuíam um laço consanguíneo com Herodes, o Grande. Ainda, haviam os zelotes que eram um grupo político do século I que buscava promover uma rebelião contra o Império Romano, com o intuito de libertar Israel pela força e que termina por promover a Primeira Guerra Judaico-Romana (66-70).
Diante do quadro apresentado é importante se estudar cada um desses grupos de forma separada, para depois se montar o quadro político-religioso geral da nação. Por último, buscar aprender com a história para que não se cometam os mesmos erros outra vez.

1. Os Saduceus
A derivação e o possível significado do nome são muito debatidos. A ideia mais provável é a de que o nome se referia a qualquer um que simpatizasse com os zadoquitas, descendente sacerdotes de zadoque, o sumo sacerdote nos dias de Davi e Salomão. (1º Reis 4.4; 1º Crô 29.22).
Os saduceus compunham uma das mais importantes e influentes seitas judaicas, muitas vezes em oposição tanto politica quanto teológica com os fariseus. Esta seita era amplamente constituída pelos elementos mais ricos da população, em contraste com os mais pobres e mais populares fariseus. Entre seus componentes se encontravam os sacerdotes mais poderosos, mercadores prósperos e a classe aristocrática da sociedade. Eles aderiam apenas a lei mosaica (fundamentalistas originais), rejeitando os profetas e a lei oral como espúrios, não criam na vinda do Messias, nem na ressurreição dos mortos, nem em anjos ou demônios. Os saduceus aceitavam como canônicos os primeiros cinco livros ou pentateuco, ainda que, provavelmente, houvessem divergências pessoais, entre os saduceus, a cerca desse particular. Seu partido manteve o controle politico por muito tempo, enquanto um ramo da casta de sacerdotes controlou o ofício de sumo sacerdotes por vários séculos. No novo testamento encontramos várias referências as disputas deles com Jesus (Mar. 12.18; Mat. 16.1,6) e até mesmo a estranha com os fariseus para livrar-se de Jesus. Eles também se opuseram fortemente a igreja primitiva (Atos 4.1; 5.17).
No Novo Testamento penas os evangelhos sinópticos e o livro de atos fazem referencias aos saduceus : Mat. 3.7; 16.1, 6, 11, 12; 22.23; Mar. 12.18; Atos 4.1; 5.17; 23.6-8. São sempre relatórios negativos sobre esta seita, seja por sua oposição e perseguição a Jesus, seja por sua cosmo visão materialista. Eles também se opunham aos apóstolos, efetuando perseguições (Atos 4.1 ss.). A referência final aos saduceus ocorre em Atos 23.6 ss. , por ocasião do julgamento de Paulo pelo sinédrio. Nesse julgamento Paulo conseguiu que os fariseus e saduceus entrassem em choque e debate, pondo em fim à reunião. 
Com a queda de Jerusalém em 70 d.C., quando os exércitos romanos destruíram aquela e muitas outras cidades em Judá, os saduceus desapareceram como partido politico e religioso.                                   

2. Herodianos
Eram do partido do Rei Herodes e talvez, altos funcionários de sua casa. Eram conservadores e favoráveis à presença dos romanos. Os Herodianos eram os apoiadores dos Herodes, instituída por motivo de interesses nacionalistas, a fim de impedir o governo romano direto, que era desprezado quase universalmente pelos judeus. Ordinariamente os herodianos reputavam (ou assim diziam) o sucessor dos herodescomo se fora o Messias. Procuravam conservar a politica judaica (isso em acordo com os fariseus). Não eram originariamente ortodoxos em suas crenças religiosas (e nisso concordavam com os saduceus). Os herodianos são mencionados como inimigos de Jesus, por uma vez, na Galiléia; e por mais uma vez em Jerusalém. (Mar. 3:6; 12:13 e Mat. 22:16). Uniam-se aos fariseus no tocante a questão do pagamento de impostos a um governo estrangeiro, pagamento esse que, segundo a mentalidade judaica era consideradoilegal. Eram opositores fortes dos zelotes e perseguiam “agitadores políticos” na Galiléia. Foram os responsáveis pelo assassinato de João Batista.
A identificação desse partido com o partido religioso que, na literatura rabínica, é chamado de os Boethusianos, isto é, aderentes da família de Boethus, cuja a filha, mariamme, foi uma das esposas de Herodes, o Grande e cujos filhos foram criados por ele visando o sumo sacerdócio, atualmente não é bem aceita entre os eruditos.  
Os herodianos, tanto quanto os fariseus, estariam ansiosos por se livrarem de Jesus, embora por motivos diferentes. Para eles, ele era um revolucionário politico em potencial, que queria perturbar seus planos de restaurar a monarquia judaica. Os falsos lideres não mais buscavam falsas acusações, mas agora planejavam a morte de Jesus, por meios legais ou ilegais. A opinião antiga de que os herodianos não queriam pagar impostos a Roma, ou se opunham a Jesus porque pensavam que Herodes, o Grande, fosse o Messias, provavelmente é incorreta. Eram simplesmente políticos, que que preferiam o governo romano indireto, através da dinastia herodiana, direto estando ansiosos  por assumir algum poder dessa maneira. Jesus, pois, era obviamente perigoso para os planos deles.                                       

3. Fariseus
O nome “fariseu”, no grego FARISAIOS, VEM, por sua vez, do adjetivo aramaico que significa “separado”,“segregado”,  “dividido”. Talvez esse nome lhes fora dado pelos inimigos, em virtude do fariseu viver separado do povo temendo a imundície. Eles mesmos, gostavam de chamar-se “haberim”= companheiros, ou “quedosim” = santos.    
Os fariseus formavam o partido do povo, tendo grande influência junto a ele. Era composto de trabalhadores rurais, artesãos e pequenos comerciantes. Gostavam do dinheiro embora afirmassem que a parte espiritual era mais importante. Esta minoria levantou-se no seio da comunidade de Israel, composta de homens do Hasidhim, poderosos guardiões da lei de Moises. Foi a frente de resistência ao helenismo pagão e idólatra. Este grupinho pertence aos “escribas”, homens que copiavam, e por tanto conheciam a “Lei”. Reconhecidos com o passar dos tempos como “separados”, os “puritanos”, os “zelotes”. Evoluíram até chegarem ao fariseu tradicionalista e exclusivista do Novo Testamento.          
Nas sinagogas gostavam de ocupar os primeiros lugares e quando alguém não concordava com a doutrina deles, o expulsavam.
Foram os fariseus e os Doutores da Lei (escribas) que começaram a organizar o povo depois que voltaram do cativeiro da Babilônia. O templo tinha sido destruído e o grupo que voltava do cativeiro estava muito empobrecido.
Quando chegaram a Palestina encontraram novas ideias e costumes trazidos pelos gregos e romanos (exemplo: moços casavam com moças de outra nação). Combateram esses costumes como forma de unir o povo, em torno da observância mais rigorosa da Lei de Moisés.
Com o tempo viraram fanáticos. Insistiam muito em coisas exteriores, visíveis (exemplo: a observância do Sábado, do jejum, da esmola, circuncisão, etc.). faziam tudo isso para mostrar que eram judeus observantes da lei de Moisés e de outras prescrições impostas pela tradição. Eram rígidos em suas posições. Oprimiam a quem não seguisse seu fanatismo.
Eram zelosos pela lei de Moisés, mas valorizavam sobretudo os ritos e tradições religiosas. Desta forma, conforme se constata em seus embates com Jesus registrados nos evangelhos, o valor da tradição se sobrepunha ao sentido da Lei de Moisés. Criam na vinda do Messias, na ressurreição dos mortos, bem como em anjos e demônios.
As denuncias de Jesus contra os exageros dos fariseus encontraram-se em Mateus 23:13-30 e Marcos 7:9. Naturalmente o Novo Testamento também elogia a vários fariseus, como Nicodemos (João 3:1), que com retidão em defesa de jesusu (João 7:50), mesmo depois que os próprios discípulos haviam fugido (João 19:50). José de Arimatéia também fora fariseu (Mar. 15:43), sendo altamente elogiado no Novo Testamento. Outros avisaram a Jesus de que queriam tirar-lhe a vida (Luc. 13:31), e alguns fariseus mostraram-se hospitaleiros para com ele (Luc. 7:36; 11:37; 14:1), Paulo havia sido fariseu antes de sua conversão (Fil. 3:5), não se tendo envergonhado de poder repetir: Eu sou fariseu, filho de fariseu.... (Atos 23:6). 
A luta mais terrível do filho de Deus foi com os fariseus. Grandes batalhas foram travadas. De modo principal, foram os fariseus que preparam o terreno para Jesus ser crucificado. E o fizeram torcendo a verdadeira Lei de Moisés e baseando-se nos preceitos e doutrinas forjados pelos homens.          

4. Zelotes
Em grego, zelotai = zelotas ou fanáticos, no hebraico qana, “ser zelotes”.  Este partido revolucionário teve início no século I, sob a influência de Judas de Gamala, o Galileu. Representavam a ala mais radical dos fariseus.
Os dirigentes conservavam todo o entusiasmo dos movimentos de libertação anteriores, o mesmo fanatismo pela lei escrita e a tradição oral mais rigorosa. Eram excluídos radicalmente desse movimento os que colaborassem com o Império Romano. Eram os nacionalistas mais radicais entre os judeus.
Aspiravam pela instauração do Reino de Deus, que para eles se resumia numa libertação da dominação estrangeira. O Messias seria um Rei Ungido por Javé, que instauraria seu reino definitivo. Acreditavam que suas instituições (monarquias, templo, sacerdócio e sinagoga) eram válidas e permanentes. Era preciso apenas purificá-las.
Sonhavam com a reorganização da propriedade segundo a vontade de Deus, como redistribuição dos latifúndios, libertação dos escravos e supressão de dívidas. Para eles, a vinda do reino dependia da ação revolucionária. Não aceitavam a passividade. Se organizavam clandestinamente em regiões montanhosas e se preparavam para a luta armada contra os romanos.
Não pagavam impostos a Roma. Eram contrários ao recenseamento. Mobilizaram o povo com promessas de libertação. Conseguiram adesões de muitos rabinos, sacerdotes e da massa popular. Recrutavam militares entre os jovens camponeses empobrecidos pelos romanos. Praticavam os assassinatos, sequestros de personagens importantes, roubavam os ricos.
Eram chamados: zelotes, ladrões ou bandidos (criminosos políticos), sicários (terroristas), galileus (por atuarem na Galiléia). Entre os discípulos de Jesus havia zelotes, Simão, o zelote (Mc 3, 18).
Representavam o partido de extrema esquerda dos fariseus. Estavam mais interessados na política do que na religião, buscando a independência e autonomia da nação mais do que qualquer outra coisa. Segundo Josefo (Antiguidades 18:1), seu fundador foi Judas de Gamala (Judas, o galileu - At 5:37), que incitou os judeus a rebelar-se contra o império quando do censo para fins tributários em 6 a.C. (feito por Quirino, governador da Síria). Foram eles, até certo ponto, que precipitaram a guerra civil de 66 d.C., que resultou na destruição de Jerusalém. Eram fanáticos e sua facção mais extrema eram os sicários. O NT os menciona em Lc 6.15; At 1.13.

5. Os Essênios           
Não são mencionados no NT. Sua existência ficou comprovada com a descoberta em 1947 dos Manuscritos do Mar Morto. O nome “essênio” vem de uma palavra hebraica que significa “pio”, “santo”. Praticavam um ascetismo e isolamento rigorosos, e se dedicavam a reproduzir os escritos do Velho Testamento e a fazer seus próprios comentários dos mesmos.  Sua origem é do século II antes de Cristo. Separaram-se dos fariseus na época dos Macabeus. Em 1947, ficamos sabendo de sua existência, através da descoberta dos livros e dos pergaminhos do Antigo Testamento, nas cavernas de Qumram. Os essênios conservaram vários escritos extra bíblicos. Assemelhavam-se a uma comunidade de monges com disciplina rígida. Tinham os seus bens em comum, não usavam armas. Praticavam a pobreza, o celibato e a obediência a um superior. Estudavam as Escrituras.
Eram fiéis à Lei de Moisés. Não frequentavam o Templo. Fervorosos, separam-se dos “maus”, dos impuros e dos pagãos. Sua espiritualidade era apocalíptica. Esperavam a intervenção dos “exércitos celestes” para a volta da teocracia (governo de acordo com a ordem religiosa).
Deixaram Jerusalém e foram morar em grutas. Eram camponeses e viviam do produto de seu trabalho. Tinham pouca influência sobre o povo.
Foram destruídos pelos romanos no ano de 68 depois de Cristo. Talvez João Batista tenha pertencido a esse grupo, pelas características de sua pregação. Eles também pregavam a conversão (Mc 1, 14-15).
Jesus não pertenceu a nenhum partido: nem da classe dominante, nem da oposição. A proposta de Jesus é o Reino de Deus. O poder que ele deseja é o poder não para dominar, sim para servir.
A liderança não foi populista. Ele foi ao povo por que o amou, e sendo pobre, sentiu na carne a mesma opressão do povo. A política de Jesus foi em favor dos oprimidos. Os cristãos não devem “fazer média” quando se trata dos injustiçados. Devem tomar posição!
Os essênios se consideravam os únicos e verdadeiros sadoquitas, continuadores da ordem sacerdotal de Sadoque, e desta forma rejeitavam a classe religiosa responsável pelo culto no Templo.
A tradição cristã reputa que João Batista era essênio, não só pela semelhança entre a doutrina de justiça social desta seita e seus ensinamentos, bem como pelos costumes praticados por João, conforme os evangelhos. Há semelhanças de fato, mas dificilmente se pode aceitar isto como certo.
Os essênios eram estudiosos dos profetas, bem como acreditavam na vinda do Messias e na proximidade do fim dos tempos, quando seria executado o julgamento de Deus sobre os homens. Viviam uma vida de rigores, privilegiando o bem comum ao invés da posse privada de bens.
Não habitavam, porém somente reclusos a comunidades afastadas, havendo essênios que viviam nas cidades, procurando, contudo exercer um modo de vida austero. Eram desta forma uma alternativa mais próxima à Lei de Moisés, o que fez com que muitos hassidins adotassem a seita como prática religiosa.
Entre as três principais correntes religiosas, pode-se dizer que os essênios eram ao mesmo tempo a mais respeitada, pela sinceridade de seu comportamento, e a segunda maior em termos numéricos.

Conclusão
O que vemos, então, é um quadro histórico pintado com grupos judeus divididos por pensamentos e ideologias distintas, no exato momento em que surge Jesus Cristo. Porém, para os fariseus é apresentada a mensagem de reprovação quanto a sua hipocrisia. Para os saduceus é apresentada a mensagem de que o amor ao mundo é inimizade contra Deus. Para os essênios é apresentada a mensagem de que a luz deve brilhar em meio as trevas. Para os herodianos é apresentada a mensagem de que aquele que amar a sua vida esse perdê-la-á. Para os zelotes é apresentada a mensagem de que aquele que vive pela espada morre por ela.
Posteriormente surge outro grupo. Um grupo formado pela união de judeus e gentios. Povos de todas as raças, tribos, línguas e nações. Povos que foram redimidos pelo Messias e se tornaram seus seguidores em todas as partes do globo, através dos séculos. Esse grupo perdura até os dias de hoje, e o seu fundador, Jesus Cristo, disse: “sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16:18).

Referencias
CHAMPLIM, Russel Norman. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e filosofia,Volume 1, 2 e 6. 11ª edição 2013, editora Hagnos.
DOUGLAS, J.D., O Novo Dicionário da Bíblia, Ed. Vida Nova, 2 vols., 1.984.
RELIGIÕES:osgruposjudaicosna época decristo. Disponível em:<http://www.napec.org>Acesso em: 13 de outubro de 2014.
Partidosnotempodejesus. Disponível em: <http://afeexplicada.wordpress.com> Acesso em: 12 de Outubro de 2014.

O JESUS HISTÓRICO - Ninfa Cristina Barbosa



O JESUS HISTÓRICO
Ninfa Cristina Barbosa*
Busca do Jesus Histórico
Há mais de cem anos que acontece uma busca para identificar o Jesus histórico e diferenciar essa pessoa do Cristo da Fé. Na verdade, várias buscas já foram feitas. Todas, exceto a última, rejeitaram totalmente a historicidade do Novo Testamento (NT) e minaram o cristianismo ortodoxo e a apologética cristã.
As buscas pelo Jesus real podem ser divididas em quatro períodos:
1) A primeira busca ou busca “antiga”, 1778-1906; 2) O período “sem busca”, 1906- 1953; 3) A “nova” busca, 1953-1970; e 4) A terceira busca, 1970 (v. Holden, cap. 2).
O Período da Primeira Busca
A busca pelo Jesus histórico partiu da publicação póstuma por Gotthold Lessing do livro [Fragmentos], de Hermann Reimarus. No fragmento “Sobre a intenção de Jesus e seus discípulos”, Reimarus separou o que os apóstolos disseram sobre Jesus do que Jesus realmente disse sobre si.
Essa dicotomia entre o Cristo da fé e o Jesus da História permanece dogma central de grande parte da pesquisa moderna. Ela está baseada no anti-sobrenaturalismo de Baruch Spinosa, no deísmo inglês e na dicotomia de fato/valor de Immanuel Kant.
Em 1835, David Strauss publicou sua obra despida do sobrenatural “The life of Jesus critically examined” (A vida de Jesus examinada criticamente). Sob a influência de David Hume, Strauss descartou a confiabilidade dos elementos históricos e sobrenaturais nos evangelhos, considerando-os “ultrajes” e “mitos”. Isso levou a tentativas posteriores de desmitificar os registros evangélicos.
Albert Schweitzer encerrou esse período em 1906 com seu The quest of the historical (A busca do Jesus histórico). Ele argumentou que a mensagem de Jesus era de natureza escatológica e que a pesquisa supostamente objetiva sobre o homem Jesus havia produzido uma personagem moldada nos próprios preconceitos dos pesquisadores. “Não há nada mais negativo que o resultado do estudo crítico da vida de Jesus”, escreveu Schweitzer. “Ele é uma personagem criada pelo racionalismo, dotado de vida pelo liberalismo e vestido de trajes históricos pela teologia moderna” (Schweitzer, p. 396).
O Período sem Buscas
Schweitzer prejudicou seriamente a confiança da busca pelo histórico e inaugurou um período durante o qual tal pesquisa ficou desacreditada.
Rudolph Bultmann considerava tal obra metodologicamente impossível e teologicamente ilegítima. Em Jesus e a Palavra (1958), ele escreveu:
“Realmente acredito que não podemos saber quase nada com relação à vida e à personalidade de Jesus, já que as primeiras fontes cristãs não demonstram interesse em nenhuma das duas, além de serem fragmentárias e muitas vezes lendárias; e outras fontes sobre Jesus não existem”  (Bultmann, p. 8).
Bultmann indicou a mudança da procura histórica para o encontro existencial. Valendo-se do pensamento de Strauss, Bultmann começou a desmitificar os evangelhos e a reinterpretá-los de forma existencial.
A Nova Busca
Um aluno de Bultmann, Ernst Kasemann, começou a “nova busca” numa palestra de 1953. Ele rejeitou o método de Bultmann como docético, porque Bultmann desconsiderava a humanidade de Jesus. Apesar de manter grande parte das pressuposições da busca anterior, os objetivos de Kasemann eram diferentes. A antiga busca objetivava a descontinuidade entre o Cristo da fé e o Jesus da história em meio à suposta continuidade.
A nova busca preocupava-se com a pessoa de Cristo como a palavra pregada de Deus e sua relação com a história. A obra principal da nova busca é Jesus o f Nazareth [Jesus de Nazaré], de Gunther Bornkamm (1960).
A Terceira Busca
A pesquisa mais recente sobre o Jesus histórico é em grande parte a reação à “nova busca”. Ela é multifacetada, incluindo alguns da tradição radical, uma nova tradição da perspectiva e conservadores.
Na categoria “conservadora” estão I. Howard Marshall, D. F. D. Moule e G. R. Beasley-Murray. Eles rejeitam a ideia de que a descrição do Jesus do NT foi de alguma forma criada por seitas helênicas de salvação. O grupo da nova perspectiva coloca Jesus no contexto do século 1.
Esse grupo inclui E. P. Sanders, Ben F. Meyer, Geza Vermes, Bruce Chilton e James H. Charlesworth. (A tradição radical é exemplificada pelo Seminário Jesus e seu interesse no Evangelho de Tomé e no documento q.) O Seminário Jesus usa muitos dos métodos de Strauss e Bultmann, mas, ao contrário do primeiro, o grupo é otimista sobre a recuperação do indivíduo histórico. Os resultados até hoje, no entanto, renderam teorias bem diferentes, baseadas num pequeno fragmento dos ensinamentos do NT que consideram autêntico.
Avaliação
Suposições falsas sobre método e premissas.
Com a exceção da retomada acadêmica conservadora, todas as buscas basearam-se em premissas falsas e procederam com base em métodos falhos ou questionáveis. A maioria desses métodos são examinados detalhadamente nos artigos citados. As premissas falsas incluem: Anti-sobrenaturalismo. Relatos de milagres e qualquer referência ao sobrenatural são rejeitados imediatamente. Isso é injustificado. Dicotomia de fato/valor. A suposição de Kant de que é possível separar fato de valor é claramente falsa, o que fica evidente na impossibilidade de separar o fato da morte de Cristo de seu valor. Não há significado espiritual no nascimento virginal se ele não for um fato biológico. E não se pode separar o fato da vida de seu valor; um assassino inevitavelmente ataca o valor do indivíduo como ser humano ao tirar a vida da pessoa.
Falsa Separação
As buscas não podem substanciar a disjunção entre o Cristo da fé e o Jesus do fato. Elas supõem, sem provas, que os Evangelhos não são históricos e que não apresentam a pessoa histórica de Jesus.
Negação da Historicidade
No centro das buscas está uma negação da natureza histórica dos evangelhos. Mas sua historicidade foi consolidada mais que a de outros livros.
Má Interpretação de “Mito”
A maioria das buscas não entendeu a natureza do “mito”. Só porque um evento é mais que empírico não significa que é menos que histórico. O milagre da ressurreição, por exemplo, é mais que a ressurreição do corpo de Jesus — mas não é menos que isso. Como C. S. Lewis observou, os que equiparam o NT à mitologia não estudaram bem o NT; tampouco não estudaram bem os mitos. Falsas suposições sobre documentos extra bíblicos.
Na busca radical mais recente há um esforço mal direcionado para adiar a datação do NT e acrescentar os documentos extra bíblicos “q” e o Evangelho de Tomé. Mas está bem estabelecido que há registros do NT anteriores a 70 d.C, enquanto contemporâneos e testemunhas oculares ainda estavam vivos. Além disso, não há prova de “q” ter existido como documento escrito. Não há manuscritos ou citações dele. O Evangelho de Tomé é uma obra de meados do séc. 10, 11, muito recente para ter figurado entre os escritos dos evangelhos.
Cristo da Fé Versus Jesus da História
A origem da diferença entre o “Cristo da fé” e o “Jesus da história” geralmente é remontada a Martin Kahler (1835-1912), mas provavelmente ele não quis dizer com o termo o que a maioria dos críticos acreditam.
Mesmo antes de Kahler, Gotthold Lessing (1729-1781) assentou o fundamento para a separação entre o Cristo da fé e o Jesus da história.
O “fosso”de Lessing - Já em 1778, Lessing considerou a separação entre o histórico e o eterno como “O fosso terrível que não consigo atravessar, por mais frequente e diligentemente que tente chegar ao outro lado” (Lessing, p. 55).
O fosso separava as verdades contingentes da história das verdades necessárias da religião. Era simplesmente impossível atravessá-lo a partir do nosso lado. Assim, Lessing concluiu que, não importando quão prováveis os registros do evangelho sejam considerados, jamais podem servir de base para conhecer verdades eternas.
O fosso de Kant -  Em 1781, Immanuel Kant mencionou no seu Critica da razão pura a separação entre as verdades contingentes da nossa experiência e as verdades necessárias da razão. Assim, ele acreditava ser necessária a destruição de qualquer base filosófica ou científica de crença em Deus. “Portanto, acho necessário”, ele disse, “negar o conhecimento, para dar espaço à/é ” (Kant “Prefácio,” p. 29).
Kant acreditava que é preciso abordar o  âmbito da religião pela fé, que é o âmbito da razão prática, não da razão teórica. Criou um fosso intransponível entre o âmbito objetivo, científico e cognoscível dos fatos e o âmbito incognoscível do valor (moralidade e religião). Essa dicotomia fato/valor está na base da disjunção entre o Cristo da fé e o Jesus da história.
A divisão histórica/historiai de Kahler - O título do livro de Kahler descreve a dicotomia que ele considerava necessária: The socalled historical Jesus and the historie, biblical Christ (1892).
A esse volume é atribuída a origem da distinção entre o Jesus “histórico” (historisch) e o Cristo “historiai” (Geschichtlich). O que Kahler tinha em mente com “histórico”, no entanto, era o Jesus reconstruído da erudição liberal crítica da sua época, não o Jesus real do século 1.
Kahler perguntou:
“Devemos esperar [que os crentes] dependam da autoridade dos eruditos quando a questão se relaciona à fonte da qual retiram a verdade para suas vidas?”
Acrescentou:
“Não consigo confiar nas probabilidades ou numa série instável de detalhes, cuja confiabilidade está sempre mudando” (Kahler, 109,111).
Apesar de Kahler não aceitar uma Bíblia inerrante (sem erros), acreditava que os evangelhos em geral eram confiáveis. Falou de sua “fidelidade relativamente notável”. A confusão de Kahler sobre como considerar os evangelhos levou-o a considerar confiáveis até as “lendas” do evangelho, “até onde seja concebível” (ibid., 79-90,95,141-2). O que “queremos deixar muito claro”, disse Kahler, é “que no final acreditamos em Cristo, não por causa de qualquer autoridade, mas porque ele mesmo desperta tal fé em nós” (ibid., p. 87).
Ele fez a pergunta crítica da igreja da sua época:
Como Jesus Cristo pode ser um objeto real da fé para todos os cristãos se o que e quem ele realmente era só pode ser averiguado por metodologias de pesquisa tão elaboradas que só os eruditos da nossa época são adequados para a tarefa? (v. Soulen,p.98).
O “salto”de Kierkegaard -  O que também preparou o cenário para a disjunção posterior entre o Cristo da fé e o Jesus histórico foi o iconoclasta dinamarquês, Soren Kierkegaard.
Kierkegaard perguntou: “Como algo de natureza histórica pode ser decisivo para a felicidade eterna?” (Concluding unscientific postscripts, p. 86). Portanto, Kierkegaard rebaixou a base histórica do cristianismo.
A história real não era importante comparada à crença “de que em tal ano o Deus apareceu a nós na forma humilde de um servo, que viveu e ensinou na nossa comunidade, e depois morreu” (Philosophical fragments, 130). Apenas um “salto” de fé pode colocar-nos além do histórico e dentro do espiritual.
Cristo Versus Jesus
Rudolph Bultmann fez a disjunção final definitiva e radical entre o Cristo da fé e o Jesus da história.
A visão pode ser resumida assim: A implicação geralmente tirada dessa disjunção é que o histórico tem pouca ou nenhuma importância.
O Cristo histórico: Relevante para a fé; Cristo dos crentes; Cristo dos evangelhos; Fundamento certo; Acessível a todos os cristãos; A significância de Jesus; O Cristo do presente.
O Jesus histórico: Irrelevante para a fé; Jesus dos eruditos; Jesus da história crítica; Fundamento incerto; Inacessível à maioria dos cristãos; A factualidade de Jesus; Jesus do passado espiritual.
Como Kierkegaard argumentou, mesmo se alguém pudesse provar a historicidade dos evangelhos em cada detalhe, isso não o aproximaria necessariamente de Cristo. Por outro lado, se os críticos pudessem refutar a historicidade dos evangelhos, atendo-se ao homem  que viveu em quem as pessoas acreditavam que Deus habitava, isso não destruiria os fundamentos da fé verdadeira.
Avaliação
Toda a dicotomia entre o Jesus da história e o Cristo da fé é baseada em suposições altamente duvidosas. A primeira lida com a historicidade dos documentos do  NT.
O que é necessário para salvação.
Esse conceito de que a crença nos fatos do evangelho é historicamente irrelevante é contrário à afirmação do NT do que é necessário para salvação. O apóstolo Paulo apresentou como essencial a crença de que Jesus morreu e ressuscitou corporalmente da sepultura.
Ele escreveu:
“E, se Cristo não ressuscitou, é inútil a nossa pregação, como também é inútil a fé que vocês têm. Mais que isso, seremos considerados falsas testemunhas de Deus, pois contra ele testemunhamos que ressuscitou a Cristo dentre os mortos. Mas se de fato os mortos não ressuscitam, ele também não ressuscitou a Cristo. Pois, se os mortos não ressuscitam, é inútil a  fé que vocês tem, e ainda estão em seus pecados. Neste caso, também os que dormiram em Cristo estão perdidos. Se é somente para esta vida que temos esperança em Cristo, somos, de todos os homens, os mais dignos de compaixão” (1Co. 15.14-19).
A Preocupação dos Autores.
Essa indiferença quanto à historicidade também não é compartilhada pelos próprios autores do NT, que parecem estar preocupados com os detalhes de um registro preciso, não um mito vago. Na verdade Lucas nos conta suas técnicas de pesquisa e seu objetivo como historiador:
“Muitos já se dedicaram a elaborar um relato dos fatos que se cumpriram entre nós, conforme nos foram transmitidos por aqueles que desde o início foram testemunhas oculares e servos da palavra, Eu mesmo investiguei tudo cuidadosamente, desde o começo, e decidi escrever-te um relato ordenado, o excelentíssimo Teófilo, para que tenhas a certeza das coisas que te foram ensinadas” (Lc 1.1-4).
Lucas expressa esse interesse histórico ao relacionar a história a pessoas e eventos que são parte do registro público da história,  tais como Herodes, o Grande (1.5), César Augusto (2.1), Quirino (2.2), Pilatos (3.1), e muitos outros ao longo de Lucas e Atos. Note seu detalhismo histórico em datar o anúncio que João Batista fez de Cristo:
“No décimo quinto ano do reinado de Tibério César, quando Pôncio Pilatos era governador da Judéia; Herodes, tetrarca da Galiléia; seu irmão Filipe, tetrarca da Ituréia e Traconites; Lisánias, Tetrarca de Abilene; Anás e Caifás exerciam o sumo sacerdócio”  (Lc 3.1,2a).
Há uma suposição injustificada de que o NT, e principalmente os evangelhos, carecem de apoio histórico adequado. Isso simplesmente não é verdade.
Uma Falsa Dicotomia
A separação entre o Jesus e o Cristo históricos é baseada na dicotomia falsa de fato e fé ou de fato e valor. O significado histórico de Cristo não pode ser separado de sua historicidade. Se ele não tivesse vivido, ensinado, morrido e ressuscitado dos mortos como o NT afirma, então ele não teria significância salvadora hoje. Mesmo depois de um século de uso, a distinção continua sendo ambígua e varia em significado de autor a autor.
Kahler a usou para defender o “pietismo crítico”.  Para Bultmann, significava o estilo de existencialismo de Martin Heidegger. John Meyer observa que “O Cristo da fé exaltado por Bultmann parece suspeitosamente um mito gnóstico ou um arquétipo de Jung”.
Mais próximo do outro extremo do espectro, eruditos como Paul Althaus (1888-1966), usaram a distinção de Kahler para defender uma abordagem mais conservadora da historicidade de Jesus. Kahler não teria aceito a concepção de Bultmann nem a de Althaus. Albert Schweitzer (1875-1965) está mais ciente do que Kahler quis dizer. Ele denuncia duramente os que, em nome dessa distinção, fizeram o Cristo histórico responsável por todo tipo de tendência, desde a destruição da cultura antiga até o progresso das realizações modernas. Portanto, a distinção entre histórico e historiai tornou-se uma expressão capciosa e portadora de todo tipo de bagagem ideológica.
Para Bornkamm, ninguém mais está em condições de escrever uma vida de Jesus. Hoje ela é o resultado surpreendente, indiscutível, de uma pesquisa que, durante quase 200 anos, empenhou um esforço extraordinário e de resultados positivos, no sentido de reconstruir e apresentar a vida do Jesus histórico, sem os “retoques” do dogma e da doutrina. No final dessa investigação sobre a vida de Jesus está o reconhecimento do próprio fracasso. Realmente, os diferentes quadros das inúmeras “Vidas de Jesus”, não são animadores, pois neles contemplamos ora o Mestre que nos fala de Deus, da virtude e da imortalidade; ora o gênio religioso do romantismo; ora o ético na linha de Kant; e, outras vezes ainda, o pioneiro das ideias sociais.
A verdade é que não possuímos uma única sentença de Jesus nem uma única história de Jesus que não inclua, ao mesmo tempo – por mais intangível e autêntica que seja -, a profissão de fé da comunidade crente ou que, pelo menos, nela não esteja baseada.
A fé autêntica não depende dos avanços da história. Mas aquele que aceitou suas interrogações porque se preocupa em compreender a história, dificilmente poderá ter a consciência em paz, tentando, a toda hora, refugiar-se dos problemas da pesquisa e de seus múltiplos resultados contraditórios no aprisco supostamente seguro das tradições eclesiásticas.
Não obstante, devemos ter o maior interesse em sair desse dilema. Faríamos bem em esclarecer a questão da compreensão da história e da figura de Jesus que se manifesta nos evangelhos, antes das questões históricas a respeito da reconstrução de um período de história acontecido dessa forma, e não da outra.
Jesus Cristo – exatamente o rabi de Nazaré cuja história terrena começou na Galiléia e terminou na cruz em Jerusalém e é, não obstante, também o ressuscitado, o Salvador, o realizador dos decretos divinos. Eis aí nossa história!
Fontes:
Geisler, Norman. Enciclopédia Apologética – Resposta aos Críticos da Fé, Ed. Vida. 1999 pgs:. 448, 449; Bornkamm, Gunther.-  Jesus de Nazaré, Ed. Teológica. 2005. Cap. 1.


















·         Estudante de Teologia do Seminário Teológico Pentecostal do Nordeste, para a cadeira de Evangelhos – Prof. e Pr. Jonas.